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A Diretiva Europeia de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa eseus reflexos no Brasil

As empresas desempenham um papel fundamental na criação de uma
economia e de uma sociedade sustentáveis e mais justas. Por outro lado, diante
deste protagonismo dos agentes privados na realidade atual, avançam no direito
internacional as iniciativas legislativas que se destinam a conter os impactos
adversos das atividades empresariais sobre os direitos humanos e o meio
ambiente.
Neste panorama, em 23 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia
apresentou uma proposta de diretiva relativa ao dever de diligência em matéria
de sustentabilidade das empresas. E em 24 de maio de 2024, o Conselho da União
Europeia aprovou a chamada Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade
Corporativa (CS3D), concluindo assim o processo de adoção do o acordo
político.1
O objetivo desta diretiva é promover um comportamento empresarial
sustentável e responsável nas operações das empresas europeias. A proposta
estabelece um quadro horizontal de obrigações para empresas com presença na
UE (sejam sediadas na Europa ou fornecendo bens ou serviços na UE), que regem
a forma como abordam os impactos adversos reais e potenciais nos direitos
humanos e no ambiente por meio das suas cadeias de suprimento globais,
incluindo operações de subsidiárias e parceiros comerciais.
A Diretiva reflete as diretrizes já previstas nos Princípios Orientadores
da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e busca instituir parâmetros legais
obrigatórios de diligencia corporativa para as empresas localizadas nos países
membros da União Europeia. Os elementos centrais dessa obrigação são

identificar, avaliar e prevenir os impactos adversos, potenciais e reais sobre os
direitos humanos e o ambiente nas operações da própria empresa, suas filiais,
seus parceiros comerciais e empresas relacionadas a sua cadeia de produção.
A diretiva também inclui disposições com consequências às violações
das obrigações nela estabelecidas, o que implicaria em responsabilidade civil
para as empresas que causam ou contribuem para danos ao não realizarem a
diligência devida, além de multas que podem chegar a até 5% do faturamento
global anual da empresa. Os países da União Europeia deverão incorporar as
normas desta diretiva em suas legislações internas até 2027.

O que é a devida diligência?

A devida diligência no campo de Empresas e Direitos Humanos tem
sua previsão nos Princípios Orientadores da ONU3, elaborados por John Ruggie
e aprovados em 2011. De acordo com o princípio 17: “o processo deve incluir a
avaliação dos impactos reais e potenciais de suas atividades e operações nos direitos
humanos; a consideração desses impactos nas suas políticas, em seus programas, na sua
gestão; a adoção de medidas de prevenção e mitigação; o monitoramento das ações
adotadas; e a comunicação sobre como esses impactos são enfrentados.”
Em 2018 a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) lançou um guia de devida diligência para empresas, com o

objetivo de fornecer apoio prático às empresas na implementação das Diretrizes
da OCDE, fornecendo explicações, recomendações e disposições4.
De acordo com o documento, a devida diligência é o processo que as
empresas devem realizar para identificar, prevenir, mitigar e prestar contas de
como lidam com os impactos adversos reais e potenciais em suas próprias
operações, sua cadeia de fornecimento e outras relações comerciais.
Portanto, trata-se de uma espécie de auditoria continuada que objetiva
fazer com que as companhias assumam sua responsabilidade de respeitar os
direitos humanos. Neste processo, de acordo com as novas diretivas europeias,
as empresas não podem apenas identificar e administrar riscos importantes para
o próprio negócio, mas também incluir os direitos dos indivíduos e das
comunidades afetadas por suas iniciativas.
Além disso, não deve se tratar simplesmente de cálculo de
probabilidades, assegurando que o processo preveja a participação significativa
dos indivíduos detentores de direitos. O sucesso desta espécie de auditoria
projeto em questão.5
dependeria, ainda, de sua realização periódica, durante todo o ciclo de vida do
A quais empresas se aplicarão as novas regras da UE?
A diretiva será aplicada às grandes sociedades de responsabilidade
limitada da União Europeia, que possuam mais de 1.000 funcionários e mais de

450 milhões de euros em faturamento líquido global. Estima-se que esse critério
inclua atualmente cerca de 6 mil empresas.6
As regras serão aplicáveis progressivamente: a partir de 2027, para
empresas com mais de 5 mil colaboradores e volume de negócios mundial
superior a 1.500 milhões de euros; a partir de 2028, para empresas com mais de 3
mil funcionários e um volume de negócios mundial de 900 milhões de euros; a
partir de 2029, para as demais empresas abrangidas pela Diretiva (incluindo
aquelas com mais de mil trabalhadores e volume de negócios mundial superior
a 450 milhões de euros).
Para empresas estrangeiras atuantes na UE, a CS3D aplica-se àquelas
que gerem faturamento líquido igual ou superior a 450 milhões de euros dentro
da UE, independentemente da quantidade de empregados. Estima-se que esse
critério inclua atualmente cerca de 900 empresas.
As microempresas e as EPP não são abrangidas pelas regras propostas.
No entanto, a diretiva prevê medidas de apoio e proteção para essas empresas,
de valor.
que podem ser indiretamente afetadas enquanto parceiros comerciais nas cadeias
Todavia, é importante ressaltar que muitas outras empresas serão
abrangidas, não apenas aquelas que se enquadram nestes critérios. Isso porque a
diretiva se estende às empresas que fazem parte da cadeia suprimentos e aos
parceiros comerciais destas empresas abrangidas.
Implicações no Brasil
A diretiva europeia acarretará implicações diretas nas empresas
brasileiras, pois todas aquelas que possuem negócios com empresas europeias

que se enquadram nos critérios acima deverão seguir as mesmas regras previstas
na diretiva, para poderem manter seus negócios com as companhias europeias.
Por outro lado, já está em trâmite atualmente no Congresso o Projeto de
Lei nº 572/20227, que cria o “Marco Nacional sobre Direitos Humanos e
Empresas”, também baseado nos Princípios Orientadores da ONU. De acordo
com a proposta, ainda que exista legislação esparsa sobre proteção ambiental,
direitos trabalhistas e proteção a direitos fundamentais, existem significativas
lacunas na regulação da atuação empresarial no território brasileiro e na
reparação de vítimas por danos socioambientais.
O artigo 5º da proposta legislativa estabelece que as empresas sejam
responsabilizadas por quaisquer violações de direitos humanos resultantes
direta ou indiretamente de suas operações. Além disso, prevê a responsabilidade
solidária entre grupos empresariais, exigindo que toda a cadeia de valor esteja
sujeita a essa responsabilidade.
causadas pelas atividades das empresas.
A proposta também introduz o dever de realizar processos de devida
diligência, em seu art. 7º, exigindo a implementação de mecanismos de controle,
prevenção e reparação para detectar e evitar violações de direitos humanos
Assim, é possível compreender que a adoção da devida diligência em
matéria de direitos humanos e sustentabilidade será inevitável para as grandes
empresas já nos próximos anos. De modo que, para que não sejam tomadas de
surpresa com exigências legais ou contratuais de aplicação imediata, recomenda
se que o processo de adaptação gradativa a estas novas políticas seja iniciado, a
fim de que os ajustes sejam feitos com maior assertividade.

PATRÍCIA MORAES – Doutoranda em Direito Socioambiental pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR). Phd candidate pelo International Doctoral Program in Business and
Human Rights da Friedrich-Alexander-Universität (FAU – Alemanha). Mestre em Direito
Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora no ensino superior.
Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/PR. Membro da Global Business and Human
Rights Scholars Association. Advogada atuante no direito empresarial no escritório TERÊNCIO
FILHO, MENEZES E MACHADO.