1. Em virtude de sua trajetória econômica inflacionária e do pano rama atual dos juros no cenário mundial, o empresário brasileiro sabe que o país possui uma das taxas de juros básicas mais elevadas do mundo. Esta constatação reflete tanto no custo financeiro dos financiamentos aqui aprovados quanto na própria decisão do empresário de selecionar projetos de investimento na “economia real” ou de aplicar nos elevados retornos fixos assegurados no mercado financeiro, com risco teoricamente inferior.
Ocorre que se o cenário financeiro no país sempre foi demarcado pela elevada carga de juros, as disputas judiciais – como produto de relações jurídicas celebradas neste ambiente econômico – não poderiam ser diferentes. E tornou-se praxe nas disputas judiciais a incidência de correção monetária adicionada a juros mensais de 1%, resultando em níveis de juros reais de se fazer inveja a segmentos da economia considerados como altamente rentáveis.
No entanto, em 28 de junho de 2024 o Código Civil Brasileiro (CCB) passou por uma significativa alteração com o advento da lei 14.905/24, que modificou os artigos 389 e 406, os quais disciplinam o índice de correção monetária e a taxa de juros moratórios judiciais, respectivamente. Essas mudanças traçam novos parâmetros para a atualização dos débitos judiciais, impactando direta mente contratos, obrigações e disputas judiciais em todo o território nacional.
No que se relaciona à correção monetária, em sua redação original o artigo 389 do Código Civil não especificava um índice de correção monetária, deixando a questão em aberto para o Poder Judiciário.
Já o artigo 406, ao tratar dos juros, previa que, quando não houvesse estipulação contratual ou lei em sentido contrário, a taxa de juros moratórios legais seria a mesma dos juros moratórios incidentes sobre os tributos devi dos à Fazenda Nacional, no importe de 1% ao mês, conforme disciplinado pelo art. 161, §1° do Código Tributário Nacional.
2. Com o advento da alteração do Código Civil, o entendimento consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi convertido em lei, modificando substancialmente os artigos 389 e 406, §1° e os demais artigos correlatos do Código Civil, da seguinte maneira:
Artigo 389 do CCB – Atualização Monetária
Antes: O índice de atualização monetária não estava claramente definido. Depois: Na ausência de convenção ou previsão legal específica, será aplicado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para atualização monetária, apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Artigo 406 do CCB – Juros Legais
Antes: Os juros eram baseados em taxa moratória sobre tributos. (1% a.m) Depois: A taxa legal de juros será a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária (IPCA). Quando o produto da dedução for negativo, aplicar-se-á o valor de 0%.
Artigo 772 do CCB –Indenização de Seguros
Antes: Não especificava claramente a atualização monetária e os juros. Depois: Mora do segurador em pagar o sinistro obriga à atualização monetária (art. 389) da indenização, sem prejuízo dos juros moratórios.
Artigo 1.336, §1°, do CCB – Contribuições de Condomínio
Antes: Não especificava claramente a atualização monetária e estipulava juros na razão de 1% ao mês. Depois: Correção monetária e juros moratórios para contribuições de condomínio não pagas, conforme a taxa legal (Selic).
Artigo 4° da Lei 14.905/2024 – Maneira de realizar o cálculo
O Banco Central do Brasil disponibilizará uma aplicação interativa de acesso público para simular o uso da taxa de juros legal em situações coti dianas. (Calculadora do Cidadão)
Art. 5° da Lei 14.905/2024 – Vigência da Lei
Entrará em vigor na data de sua publicação para o § 2º do artigo 406. Os demais dispositivos entrarão em vigor 60 dias após a publicação.
No entanto, a solução trazida pela lei 14.905, por recepcionar a SE LIC como referência de juros legais – a qual sabidamente contém as expectativas de correção monetária em seu cômputo – poderá originar novas disputas judiciais que desde já podem ser prevenidas pela adoção do índice oficial (IPCA) como critério de correção nos contratos, evitando-se a complexidade inerente à aplicação do artigo 406, § 1º do Código Civil.
3. A alteração legislativa uniformizou as taxas de correção monetária e juros legais, superando discussões judiciais a seu respeito que prolongavam consideravelmente a duração das demandas. Por outro lado, pode-se compreender que a redução da carga de juros poderá estimular o devedor a inadimplir para procurar alternativas de arbitragem de retornos. Fato é que a realidade dos números evidenciará uma significativa redução nos patamares financeiros das demandas judiciais.
Apenas a título exemplificativo, um empréstimo contraído em janeiro de 2020, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), corrigido pelo IPCA E, com acréscimo de juros no importe de 1% a.m até junho de 2024, resultaria na importância de R$ 199.409,21 (cento e noventa e nove mil e quatrocentos e nove reais e vinte e um centavos).
Lado outro, o mesmo valor com atualização monetária da SELIC, que já engloba juros e correção monetária, corresponderia a importância de R$ 142.313,42 (cento e quarenta e dois mil e trezentos e treze reais e quarenta e dois centavos), uma considerável diferença de 40,11%!
4. Para se adaptar às novas regras, é fundamental que as empresas revisem seus contratos e políticas financeiras moratórias a depender de cada caso, garantindo conformidade com os novos índices de correção monetária e taxas de juros.
É fato que adotar o IPCA como critério de correção nos contratos deve evitar complicações decorrentes do art. 406, §1° do Código Civil, enquanto revisar se há cláusulas de juros moratórios nos contratos pode elucidar os cenários em que há (ou não) incidência da SELIC, afetando consideravelmente o quantum devido.
Contudo, para perfectibilizar essas operações, é essencialmente recomendável contar com consultoria e assistência jurídica especializada, assegurando que todas as práticas estejam alinhadas às exigências legais e otimizadas para o novo contexto econômico, atendendo cada caso de maneira individualizada.
LEONARDO R. HEBERLE – Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Membro da Comissão de Estudos de Recuperação Judicial e Falências da OAB/PR. Advogado atuante em direito empresarial no escritório TERÊNCIO FI LHO, MENEZES E MACHADO.