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Leilão de Fração ideal de imóvel rural. Oportunidade ou risco?

Que os leilões judiciais apresentam-se como excelentes estratégia de investimentos, o mercado brasileiro já sabe. As boas oportunidades, no entanto, encerram uma relação entre oferta e demanda, já que a elevada procura por determinados bens em leilão faz com que o preço final do arremate aproxime-se da avaliação de mercado e reduza substancialmente as margens do investidor.

Há, no entanto, oportunidades em leilões judiciais que contemplam meras frações ideais de imóveis, casos nos quais historicamente se percebe um grau de participação diminuto de interessados, podendo reservar melhores margens aos investidores atentos, desde que mapeados e mitigados os riscos que podem envolver a operação.

Nos casos de leilões de frações ideais, o imóvel possui mais de um proprietário (condôminos), mas apenas a parte pertencente a um deles é levada à leilão. Especificamente no caso de imóveis rurais, um desafio frequente é a falta de delimitação física da fração leiloada. Ou seja, o arrematante adquire o direito sobre uma porcentagem do imóvel, mas sem saber exatamente qual área corresponde a essa parte. Diante disso, quais são os próximos passos para demarcar o terreno e tomar posse efetiva da fração adquirida?

Ação Judicial: Extinção de Condomínio, Divisão e Demarcação Caso os demais proprietários, condôminos do imóvel não aceitem amigavelmente realizar a divisão do imóvel, será necessária a propositura de uma ação judicial. A demanda adequada seria uma Ação de extinção de condomínio, divisão e demarcação de imóvel. Esse processo tem como objetivos:

  1. Delimitar a área arrematada de forma precisa;
  2. Dividir fisicamente e juridicamente o imóvel;
  3. Criar uma matrícula individualizada para a fração adquirida, permitindo sua negociação independente no futuro.

Essa ação é fundamental para garantir a autonomia da propriedade, conforme previsto nos arts. 1.314 a 1.318 do Código Civil Brasileiro, que tratam da extinção do condomínio e da divisão de bens.

Já o Código de Processo Civil trata em seu artigo 569 a respeito das ações de demarcação e divisão. O inciso I estabelece que cabe ao proprietário a ação de demarcação, para obrigar o confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados. A seu turno, o inciso II estabelece que cabe o condômino a ação de divisão, para obrigar os demais consortes a estremar os quinhões.

O Código Civil, por meio do artigo 570 permite a cumulação dessas ações, caso em que deverá processar-se primeiramente a demarcação total ou parcial da coisa comum, citando-se os confinantes e os condôminos

Assim, a demarcação e a divisão do imóvel são medidas necessárias para evitar futuros conflitos de limites e assegurar a regularização cartorária da propriedade. Dessa forma, a ação irá viabilizar a regularização da parte arrematada.

Jurisprudência e Segurança Jurídica

De acordo com REsp 1.984.013 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a ação demarcatória é a via adequada para dirimir discrepâncias entre a realidade fática dos marcos divisórios do terreno e resolver a controvérsia a respeito dos limites dos imóveis nas vias ordinárias.[1]

Nos casos de imóveis arrematados em leilão, é comum que os proprietários do imóvel estejam em regime de condomínio, sem estar delimitada qual a fração extada daquele que teve sua parte levada à leilão. Nesse sentido entende a jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. LEILÃO. ARREMATAÇÃO. FRAÇÃO IDEAL DE TERRAS NÃO DELIMITADA PREVIAMENTE NO EDITAL RESPECTIVO. IMISSÃO DE POSSE. NECESSIDADE DE ANTERIOR INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL ENTÃO ARREMATADO. Embora esteja garantida a propriedade do arrematante sobre o bem noutrora praceado, imprescindível se torna o ajuizamento da ação apropriada para se obter certeza jurídica quanto aos efetivos limites do imóvel em disputa, ou seja, indispensável é a individualização da área alhures arrematada para, só então, autorizar-se a justa imissão de posse do adquirente do bem. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJ-GO – AI: 01428621920198090000, Relator: Dr. Ronnie Paes Sandre, Data de Julgamento: 09/03 /2020, 3a Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/03/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE COBRANÇA . EXECUÇÃO DE SENTENÇA. IMISSÃO NA POSSE. NECESSIDADE DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO. A imissão na posse de área arrematada quando constatado que se trata de arrematação de uma parte integrante de outra em condomínio pro indiviso esbarra na necessidade de ação própria à divisão e demarcação da área maior . Circunstância dos autos em que impõe manter a decisão que suspendeu o processo. RECURSO DESPROVIDO.

(TJ-RS – AI: 70077015543 RS, Relator: João Moreno Pomar, Data de Julgamento: 29/05/2018, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/06/2018)

Entretanto, a ação de divisão e demarcação apenas será necessária caso os condôminos não concordem amigavelmente em realizar a subdivisão do imóvel, de forma a individualizar a área do imóvel arrematado em matrícula própria.

 Na hipótese de haver composição amigável entre os condôminos, uma ação judicial não será necessária vez que o artigo 571 do CPC prevê que a demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados.

Conclusão

A aquisição de uma fração ideal em leilão pode ser vantajosa, no entanto demanda a proximidade com uma assessoria especializada para que sejam adotadas as medidas judiciais para sua efetiva regularização. É fundamental, ainda, que o tempo de duração do processo seja precificado como custo do arrematante, bem como que sejam aferidas as medidas para cobrança de alugueres no período caso o bem esteja sendo explorado por outro condômino. A Ação de Extinção de Condomínio, Divisão e Demarcação é o caminho legal para assegurar a posse exclusiva da parte adquirida, evitando futuros conflitos e garantindo a plena autonomia do bem. Dessa forma, o arrematante terá seu direito plenamente resguardado, podendo usufruir, alienar ou negociar sua propriedade sem restrições, usufruindo de uma oportunidade de mercado com menos demanda e melhores margens de retorno no investimento.

PATRÍCIA MORAES – Doutoranda em Direito Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Phd candidate pelo International Doctoral Program in Business and Human Rights da Friedrich-Alexander Universität (FAU – Alemanha). Mestre em Direito Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora no ensino superior. Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/PR. Membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Advogada atuante no direito empresarial no escritório TERÊNCIO FILHO, MENEZES E MACHADO.